Em tempos de inteligência artificial, aprender um idioma é um importante aliado para o cérebro, apontam especialistas
Por Redação
As tecnologias com Inteligência Artificial (IA), como óculos inteligentes e aplicativos para tradução, alguns até com opção de transcrição de reuniões, chegaram para facilitar – e muito – a vida moderna. Como diz o ditado, ”time is money” (tempo é dinheiro) e em meio a esse cenário, a dedicação necessária para aprender uma nova língua pode soar desnecessária, em especial para quem utiliza pouco o idioma ou apresenta dificuldade. Apesar de o inglês ser considerado a língua universal, apenas 5% da população brasileira possui algum conhecimento dela, sendo que apenas 1% é considerada fluente. Entretanto, evidências científicas apontam que o aprendizado de uma nova língua é capaz de ativar regiões responsáveis por funções como memória, atenção, audição e articulação da fala, sendo extremamente importante para um bom funcionamento cerebral.
Para o neurologista Renato Gama, doutor em Cognição e Linguagem, professor da Afya Educação Médica, o contato com uma segunda língua provoca efeitos reais e mensuráveis no cérebro, mesmo em estágios iniciais de aprendizado. “Estudar outra língua é como abrir uma porta para novas conexões”, afirma. “Com apenas alguns meses de prática, já é possível notar melhorias cognitivas, como foco, agilidade mental e capacidade de ignorar distrações”. Segundo o médico, a memória também é beneficiada, pois ao guardar e recuperar palavras novas, esse processo se torna mais rápido, o que melhora o desempenho em outras tarefas do dia a dia.
Pesquisas em neurociência mostram que aprender um idioma estrangeiro modifica fisicamente o cérebro, estimulando a neuroplasticidade, ou seja, a capacidade desse órgão de se reorganizar e criar novas conexões neurais. Além de fortalecer áreas relacionadas à linguagem, o aprendizado de idiomas melhora habilidades como a tomada de decisões, flexibilidade mental e a capacidade de resolução de problemas. Alguns levantamentos sugerem que pessoas bilíngues têm menor risco de desenvolver doenças neurodegenerativas, pois o cérebro treinado para alternar entre línguas se torna mais ágil, adaptável e resistente ao envelhecimento.
A longo prazo, o impacto tende a ser mais profundo. “Com o tempo, o cérebro se torna mais eficiente na integração de informações auditivas, visuais e linguísticas”, explica Gama. Isso significa, segundo ele, que entender um filme sem legenda ou acompanhar uma conversa fluida em outro idioma passa a exigir menos esforço mental. Segundo ele, esse tipo de treino contínuo contribui para a chamada reserva cognitiva, uma proteção neural que permite à mente resistir melhor ao envelhecimento e a doenças como Alzheimer.
Contudo, a tecnologia não é uma inimiga do cérebro, pelo contrário: com ela, é possível aprender uma nova língua de forma mais prática e customizada, avançando conforme a necessidade de cada um.
Ainda assim, é preciso cuidado com o uso passivo das ferramentas tecnológicas. O neurologista alerta que o excesso de dependência de assistentes virtuais e tradutores automáticos pode impactar negativamente certas áreas cerebrais. “Usar esses recursos para facilitar o cotidiano é positivo, mas não se deve terceirizar totalmente a memória ou o raciocínio. Interagir ativamente com a língua ainda é o que fortalece as conexões neurais”, afirma.
Outro ponto importante sobre o aprendizado está relacionado à construção de repertório cultural. Diferentemente das traduções automáticas, que entregam palavras equivalentes, aprender um idioma permite compreender contextos, expressões locais, entonações e formas de pensar. Para Bruno Simantob, CEO da Transfer English, ferramentas tecnológicas podem facilitar, mas não substituem a prática constante, a curiosidade e o desejo de se desenvolver.
“Dominar uma língua é mais do que conhecer regras gramaticais: também constrói confiança para se expressar. Imagine estar em outro país sem falar inglês e ficar sem internet? Recentemente, vimos que alguns lugares da Europa sofreram um apagão, não é um cenário impossível”,
contextualiza Bruno, que lançou a plataforma Transfer Talker para ensinar inglês pelo WhatsApp. Segundo ele, mesmo com todas as inovações, o fator mais decisivo para o aprendizado é o envolvimento ativo da pessoa com o idioma. Esse envolvimento frequente tem impacto direto na saúde cerebral, inclusive no envelhecimento.
A ciência mostra que pessoas bilíngues desenvolvem maior conectividade cerebral e podem retardar o início de doenças como a demência em até cinco anos. “Isso vale ainda mais para quem mantém as duas línguas em uso ativo. Quanto mais frequente o contato, maior o benefício”, explica o dr. Renato. Ele ressalta que multilíngues, pessoas que falam três ou mais idiomas, tendem a apresentar maior flexibilidade mental, memória de trabalho mais eficiente e redes neurais mais complexas e adaptáveis.
A forma como o cérebro aprende também varia se acordo com a fase da vida. O cérebro infantil apresenta alta plasticidade e é capaz de criar redes separadas para cada idioma, o que facilita a absorção da pronúncia e da entonação. Crianças aprendem de forma natural, como se fosse uma brincadeira. Elas captam sons com mais facilidade e tendem a soar como nativas. Já os adultos, embora tenham mais dificuldade com a fonética, tendem a se beneficiar da organização e do raciocínio lógico. “Os adultos usam regiões frontais para analisar a língua de forma estruturada. O aprendizado pode ser mais consciente e estratégico, altamente eficaz”, conclui o neurologista.
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